quarta-feira, 30 de julho de 2008

Vacances d'hiver à Rio


Ainda se estes não forem para a vida toda, as lembranças desse tempo irão e serão.
(CH, Mlle. Collie, M. LeBlanc)

sábado, 19 de julho de 2008

CRISE DE ANSIEDADE

Reinventar o agora
Deixar morrer o depois
Observar o que vem quando já foi

Parar para poder parecer prático
Reparar para poder parecer presente
Preparar para poder parecer apresentável
Paralisar e permanecer patético

Outside, deplacé, por fora
_ do assunto, de órbita, da estrada _
(“Não, obrigado, eu já tenho um mapa,
ele está dobrado dentro do porta-luvas,
mas as traças já trataram
de traçar nele novos caminhos ocos
dos quais também eu já saí há muito”)

Absolutamente absorto no absurdo
De se permitir se perder
Permanecendo sentado em seu sofá
Em pensamentos inúteis e estáticos
(“Se estou a todo tempo sozinho,
pra que um sofá de três lugares?
Ah, sim... eu me deito nele...”
“Droga, faltou luz no bairro todo,
além de tudo, está chovendo,
já é de madrugada, o comércio está fechado
e não tenho velas...
Será que vale a pena eu continuar de óculos?)

Esquecendo de tomar precauções
E pular as músicas que não se pode mais ouvir
Esquecendo de tomar cuidado
E evitar a rua onde não se pode mais passar
Esquecendo de tomar remédio
E evitar a dor de cabeça, de estômago
Esquecendo de ficar diligente
E não por o relógio para despertar
(“O que está havendo com esse relógio na parede?
As pilhas estão fracas?... não, não estão...
Por que será que esses ponteiros
insistem em não se mover?
Será que é por que eu o olhei
há menos de um minuto?”)

Desfazer-se de tudo
Despojar-se de tudo que é material, desimportante
Desfazer de todos
Desligar-se de tudo que é alheio
Desintegrar-se da memória
(“Esse telefone não toca, nem o outro...
Às vezes me pergunto por que os tenho...
Lembro então que são razões estritamente profissionais...
Puxa vida... eles bem que poderiam tocar
de vez em quando, desde que não fosse engano.”
“Quantos cigarros já fumei hoje?
Detesto essa fumaça, esse cheiro nos meus cabelos,
mas gosto do cheiro nas minhas mãos...
Só espero que eles não acabem no meio da noite,
como sempre acontece...”
“Quando será que vão parar de encher minha
caixa de e-mails com correntes?”)

Alan Robert
15-06-2005

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Cárcere Privado

Sempre aprendi que um dos passos importantes do engrandecimento humano era saber conviver com a diferença. Para isso, um dos ingredientes fundamentais é um dos menos compreendidos em sua real (e simples) significação: a compaixão.
Muitas vezes confundida com piedade, dó ou pena, a compaixão parte de se colocar no lugar do outro a ponto de, voluntariamente, sentir seu sofrer.
Isso poderia ser o prólogo de um texto sobre tolerância, aceitação do outro, filantropia ou amor ao próximo... na verdade, é sobre esse último item, porém em sua faceta mais egoísta: o amor a um próximo específico.
Só que a idéia aqui é reverter raciocínio e processo. Falar sobre apaixonar-se é um caminho que pode levar ao brilhantismo lírico ou à derrocada cafona. Não há meios-termos e um pensador mediano deve conhecer seus limites.
Coloquemos o foco na pessoa amada, mas sob um outro prisma.
Apaixonar-se. Verbo reflexivo, onte o sujeito pratica e recebe a ação indicada. Apaixonar-se é um ato egocêntrico, que usa a segunda pessoa apenas como muleta; é auto-suficiente, regente, que não se liga ao termo regido sem intermédio de uma preposição. Apaixonar-se por alguém. Mas apaixonar-se já se basta.
Que tal retirarmos o pronome do verbo? Sim, complicar é a questão. E não pense o caro leitor que falarei de flertes, truques ou trapaças de sedução. A questão a ser tratada é apaixonar verdadeiramente. Verificar o quanto disso é voluntário ou inato. Se for ato deliberado, basta extrapolar sentimentalmente os ardis já citados e reitero que isso não nos interessa. Passemos ao encantamento natural, sutil e de difícil controle para quem o possui.
Apaixonar a outrem indiscriminadamente pode se tornar tão arriscado como uma gilete nas mãos de uma criança: certamente tanto causará feridas em quem a cerca quanto cicatrizes em quem a porta.
Deve ser muito complicado a quem não se alimenta de egolatria lidar com o fato de ser alvo de olhares egoístas a consumir o que é tão natural em sua essência.
Inagine, caro leitor, ter cada gesto seu tido como significante, extraordinário, mágico até. A angústia de cada palavra dita ser (in)compreendida como um código visando criar uma inapelada intimidade.
E não falo apenas da beleza, tão efêmera e tão hipnótica aos mais suscetíveis. A tenuidade do que se esconde por trás de máscara tão óbvia é o que distancia gravemente a mera atração do absoluto encantamento.
Assim sendo, amigo leitor, toda essa retórica tem o único intuito de confessar que eu (se não tão esperto, mas compreensivo o suficiente para tentar praticar compaixão), me encontro caído nessa armadilha até disfarçável a mim mesmo quando encontro algum espaço para racionalização, mas sucumbo instantaneamente ante a simples possibilidade de um "bom dia" de alguém especial e fazer desse tão banal cumprimento a chave para a própria felicidade. Extrema mesquinhez.
Então, lutando contra tão desprezível ímpeto, resta a mim ansear que o reflexivo apaixonar-se venha a se tornar recíproco, onde a ação incide sobre ambos, e de infinitivo plural: "apaixonarem-se".
Ou, ainda, aprender que um dos passos do engrandecimento humano, ainda partindo da compaixão, talvez seja saber conviver com a indiferença.

Alan Robert
17-19/06/2008

terça-feira, 10 de junho de 2008

Compilação

Músicas antigas de nossa história,
Um verso para cada momento.
Todo um repertório para cada fase,
O encantamento, o envolvimento, a comunhão,
A tristeza, o fim e a solidão.
Cada samba, balada, blues ou rock 'n roll,
Cada melodia que evoca uma lembrança,
Todo um cancioneiro a suscitar memórias,
Mas não quero deixar de ouvir.
Só tenho que aprender a dessignificar
Ou até ressignificar
Mas, antes, a desaprender
e, aí sim, estabelecer novos sentidos.
Deixar de ouvir sua voz entoando cada nota
E enfim, quem sabe, aprender novas canções.

Alan Robert

sábado, 12 de abril de 2008

PREPARAÇÃO

Você chega e encontra as luzes apagadas, adentra um pouco mais e percebe a luz difusa que vem da cozinha _ velas sobre a mesa _ e eu acabando de arrumar o último prato.
Você não diz nada, apenas faz menção de que vai tomar uma rápida chuveirada. Até hoje eu não entendo como você pode gostar de banho frio! Eu aguardo você se vestir para servir o jantar.
Eu sirvo, você me olha, parece entender tudo. Queria dizer como você fica bonita iluminada por esses pequenos pontos de chama amarelos, mas prefiro apenas olhar você comendo o macarrão e mordendo o garfo; coisa que me deixa aflito e eu acho que você faz de propósito.
Você sabe que eu estou nervoso e, estranhamente, não diz palavra. Terminado o jantar vamos para a cama. Descansar, depois dormir. Sem TV, sem PC, sem CD nem nenhuma dessas outras defuntas siglas eletrônicas que enchem o AP com esse inconfundível ruído de fundo sem o qual eu quase me perco. Em contrapartida, você não me faz aqueles longos interrogatórios com os quais eu me aborreço antes mesmo do final da primeira pergunta.
Nada fazemos, apenas nos deitamos e nos abraçamos. Tudo o que ouvimos vem de fora. Hoje, só dormir. Dormir e acordar.
Você sabe o quanto eu estou tenso e, compreensivamente, nada me pede e aceita que eu não lhe dê nada além de um abraço.
Você dorme. Eu permaneço acordado. Você sabe que eu não consigo dormir à noite. E você sabe que eu estou aflito. E permaneço deitado. Em silêncio. Eu já (ou “ainda”) estou acordado quando você acorda. Já fui comprar o pão, o leite...
Você levanta e começa a se arrumar para sair. Eu só vou trabalhar à tarde, mas à noite ainda tenho atividade...
Antes de sair você me olha como quem espera providências ou apenas uma reposta ao que não me perguntou ontem à noite.
...

Hoje eu vou à Companhia de Eletricidade e prometo nunca mais esquecer de pagar a conta de luz.


Alan Robert

terça-feira, 25 de março de 2008

BIPOLAR (ou Labirintite)

Alan Robert

Alterno sem o mínimo tato entre o prolixismo e o silêncio,
Entre a dedicação e a apatia,
Entre a paixão e o pragmatismo,
Entre o garoto que não se perdeu
e o velho que ainda não sou,
Entre o companheirismo e a total inapetência social,
Entre o não viver ao sol por não suportá-lo
e iluminar a escuridão por temê-la.

Vacilo na corda bamba tangendo os limites entre o certo e o risco,
Entre o errado e o necessário,
Entre a coragem frente à morte
e o medo das incertezas de meus dias no porvir,
Entre o gentil e o rude,
Entre o erudito e o maldito,
Entre a dialética e a culpa.

Permeio sem me permitir contaminar entre o que há e o que imagino,
Entre o incisivo e o inseguro,
Entre o que é e o que transcende,
Entre a solidão voluntária
e a voluntariosa saudade.

E assim sigo incidindo das maneiras que sei e que posso.

Até breve, quem sabe.

terça-feira, 11 de março de 2008

L'HABITUDE

Alan Robert

Em quem você pensa quando chove?,
Quando dirige sozinho?,
Quando a sua música preferida toca
Ou quando aquele filme passa de madrugada?,
Quando você vê os casais se tendo ternura?,
Quando todo clichê incomoda por se tornar real?
O buquê de flores, a lua cheia,
O poema romântico, o pôr-do-sol.

E quando nada acontece?

No que você pensa quando vai para o trabalho?,
Quando está fazendo compras no supermercado?,
Quando tira as suas roupas secas do varal?,
Quando ouve o jogo pelo rádio
Ou quando assiste ao jornal na televisão?,
Quando chove;
Quando dirige sozinho;
Quando a sua música preferida toca
Ou quando aquele filme passa de madrugada;
Quando vê os casais se tendo ternura?;
Quando todo clichê incomoda por nada acontecer?

E quando acontece?

16/02/2008 (ou Bouleversement)

Alan Robert

Uma grande mariposa entrou pela janela da sala
Ao invés de ir para a luminária e ficar girando
Foi para um canto da estante e lá ficou
Parece que ela queria mais se enconder, se camuflar

Eu não a vi entrar

Estava deitado e ouvia o bater de suas asas
Enquanto se encaixava entre os vãos do móvel.
Aquele barulho me irritava.
Eu pensava "de onde diabos vem essa zoada?"
E me pus a procurar a sua origem

Então a vi.
No canto da parede, próxima ao chão
Marrom como a madeira da estante
Um inseto grande, belo e forte
Mas sua busca por um lugar para repousar me incomodava
Pensei "Onde estará Alfred quando preciso dele?"
Alfred é uma lagartixa que usa minhas paredes como lar
E fonte de alimento com pequenas aranhas e mosquitos.
Pobre Alfred
A mariposa era maior que ele e certamente o engasgaria
Se ele avançasse contra ela talvez morressem os dois

Eu não queria isso

Tenho uma especial afeição por lagartixas e lepidópteros,
Em especial os noturnos.
Os primeiros por sua função ecológica e urbana
E por seus pequenos dedos e olhos;
Os segundos por sua beleza e simbolismo.

Alfred não apareceu e a mariposa aquietou-se
E eu, enfim, os esqueci e dormi.

Ao acordar a procurei e não a encontrei.
Melhor assim.
Segui minha vida e fui trabalhar.
Isso foi há duas noites e ainda busco o bater das asas da mariposa.
Que tipo de vida faz um homem buscar em seu apartamento
O bater das asas de uma mariposa?

Talvez solidão.

Mas a constatação de que algo tão banal
Pode revirar de forma tão pungente um cotidiano
Assombra.

Espero que a mariposa tenha repousado em meu lar.