terça-feira, 25 de março de 2008

BIPOLAR (ou Labirintite)

Alan Robert

Alterno sem o mínimo tato entre o prolixismo e o silêncio,
Entre a dedicação e a apatia,
Entre a paixão e o pragmatismo,
Entre o garoto que não se perdeu
e o velho que ainda não sou,
Entre o companheirismo e a total inapetência social,
Entre o não viver ao sol por não suportá-lo
e iluminar a escuridão por temê-la.

Vacilo na corda bamba tangendo os limites entre o certo e o risco,
Entre o errado e o necessário,
Entre a coragem frente à morte
e o medo das incertezas de meus dias no porvir,
Entre o gentil e o rude,
Entre o erudito e o maldito,
Entre a dialética e a culpa.

Permeio sem me permitir contaminar entre o que há e o que imagino,
Entre o incisivo e o inseguro,
Entre o que é e o que transcende,
Entre a solidão voluntária
e a voluntariosa saudade.

E assim sigo incidindo das maneiras que sei e que posso.

Até breve, quem sabe.

terça-feira, 11 de março de 2008

L'HABITUDE

Alan Robert

Em quem você pensa quando chove?,
Quando dirige sozinho?,
Quando a sua música preferida toca
Ou quando aquele filme passa de madrugada?,
Quando você vê os casais se tendo ternura?,
Quando todo clichê incomoda por se tornar real?
O buquê de flores, a lua cheia,
O poema romântico, o pôr-do-sol.

E quando nada acontece?

No que você pensa quando vai para o trabalho?,
Quando está fazendo compras no supermercado?,
Quando tira as suas roupas secas do varal?,
Quando ouve o jogo pelo rádio
Ou quando assiste ao jornal na televisão?,
Quando chove;
Quando dirige sozinho;
Quando a sua música preferida toca
Ou quando aquele filme passa de madrugada;
Quando vê os casais se tendo ternura?;
Quando todo clichê incomoda por nada acontecer?

E quando acontece?

16/02/2008 (ou Bouleversement)

Alan Robert

Uma grande mariposa entrou pela janela da sala
Ao invés de ir para a luminária e ficar girando
Foi para um canto da estante e lá ficou
Parece que ela queria mais se enconder, se camuflar

Eu não a vi entrar

Estava deitado e ouvia o bater de suas asas
Enquanto se encaixava entre os vãos do móvel.
Aquele barulho me irritava.
Eu pensava "de onde diabos vem essa zoada?"
E me pus a procurar a sua origem

Então a vi.
No canto da parede, próxima ao chão
Marrom como a madeira da estante
Um inseto grande, belo e forte
Mas sua busca por um lugar para repousar me incomodava
Pensei "Onde estará Alfred quando preciso dele?"
Alfred é uma lagartixa que usa minhas paredes como lar
E fonte de alimento com pequenas aranhas e mosquitos.
Pobre Alfred
A mariposa era maior que ele e certamente o engasgaria
Se ele avançasse contra ela talvez morressem os dois

Eu não queria isso

Tenho uma especial afeição por lagartixas e lepidópteros,
Em especial os noturnos.
Os primeiros por sua função ecológica e urbana
E por seus pequenos dedos e olhos;
Os segundos por sua beleza e simbolismo.

Alfred não apareceu e a mariposa aquietou-se
E eu, enfim, os esqueci e dormi.

Ao acordar a procurei e não a encontrei.
Melhor assim.
Segui minha vida e fui trabalhar.
Isso foi há duas noites e ainda busco o bater das asas da mariposa.
Que tipo de vida faz um homem buscar em seu apartamento
O bater das asas de uma mariposa?

Talvez solidão.

Mas a constatação de que algo tão banal
Pode revirar de forma tão pungente um cotidiano
Assombra.

Espero que a mariposa tenha repousado em meu lar.