quinta-feira, 19 de junho de 2008

Cárcere Privado

Sempre aprendi que um dos passos importantes do engrandecimento humano era saber conviver com a diferença. Para isso, um dos ingredientes fundamentais é um dos menos compreendidos em sua real (e simples) significação: a compaixão.
Muitas vezes confundida com piedade, dó ou pena, a compaixão parte de se colocar no lugar do outro a ponto de, voluntariamente, sentir seu sofrer.
Isso poderia ser o prólogo de um texto sobre tolerância, aceitação do outro, filantropia ou amor ao próximo... na verdade, é sobre esse último item, porém em sua faceta mais egoísta: o amor a um próximo específico.
Só que a idéia aqui é reverter raciocínio e processo. Falar sobre apaixonar-se é um caminho que pode levar ao brilhantismo lírico ou à derrocada cafona. Não há meios-termos e um pensador mediano deve conhecer seus limites.
Coloquemos o foco na pessoa amada, mas sob um outro prisma.
Apaixonar-se. Verbo reflexivo, onte o sujeito pratica e recebe a ação indicada. Apaixonar-se é um ato egocêntrico, que usa a segunda pessoa apenas como muleta; é auto-suficiente, regente, que não se liga ao termo regido sem intermédio de uma preposição. Apaixonar-se por alguém. Mas apaixonar-se já se basta.
Que tal retirarmos o pronome do verbo? Sim, complicar é a questão. E não pense o caro leitor que falarei de flertes, truques ou trapaças de sedução. A questão a ser tratada é apaixonar verdadeiramente. Verificar o quanto disso é voluntário ou inato. Se for ato deliberado, basta extrapolar sentimentalmente os ardis já citados e reitero que isso não nos interessa. Passemos ao encantamento natural, sutil e de difícil controle para quem o possui.
Apaixonar a outrem indiscriminadamente pode se tornar tão arriscado como uma gilete nas mãos de uma criança: certamente tanto causará feridas em quem a cerca quanto cicatrizes em quem a porta.
Deve ser muito complicado a quem não se alimenta de egolatria lidar com o fato de ser alvo de olhares egoístas a consumir o que é tão natural em sua essência.
Inagine, caro leitor, ter cada gesto seu tido como significante, extraordinário, mágico até. A angústia de cada palavra dita ser (in)compreendida como um código visando criar uma inapelada intimidade.
E não falo apenas da beleza, tão efêmera e tão hipnótica aos mais suscetíveis. A tenuidade do que se esconde por trás de máscara tão óbvia é o que distancia gravemente a mera atração do absoluto encantamento.
Assim sendo, amigo leitor, toda essa retórica tem o único intuito de confessar que eu (se não tão esperto, mas compreensivo o suficiente para tentar praticar compaixão), me encontro caído nessa armadilha até disfarçável a mim mesmo quando encontro algum espaço para racionalização, mas sucumbo instantaneamente ante a simples possibilidade de um "bom dia" de alguém especial e fazer desse tão banal cumprimento a chave para a própria felicidade. Extrema mesquinhez.
Então, lutando contra tão desprezível ímpeto, resta a mim ansear que o reflexivo apaixonar-se venha a se tornar recíproco, onde a ação incide sobre ambos, e de infinitivo plural: "apaixonarem-se".
Ou, ainda, aprender que um dos passos do engrandecimento humano, ainda partindo da compaixão, talvez seja saber conviver com a indiferença.

Alan Robert
17-19/06/2008

terça-feira, 10 de junho de 2008

Compilação

Músicas antigas de nossa história,
Um verso para cada momento.
Todo um repertório para cada fase,
O encantamento, o envolvimento, a comunhão,
A tristeza, o fim e a solidão.
Cada samba, balada, blues ou rock 'n roll,
Cada melodia que evoca uma lembrança,
Todo um cancioneiro a suscitar memórias,
Mas não quero deixar de ouvir.
Só tenho que aprender a dessignificar
Ou até ressignificar
Mas, antes, a desaprender
e, aí sim, estabelecer novos sentidos.
Deixar de ouvir sua voz entoando cada nota
E enfim, quem sabe, aprender novas canções.

Alan Robert