segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CIDADE IMPOSSÍVEL - de VICTOR HERINGER

Tenho enfim nas mãos o livro que tanto ansiei ter e ler.

A primeira análise crítica que vi desse livro foi um comentário de uma parente do autor questionando a ordenação dos capítulos. É uma premissa bastante interessante.

Vários teóricos (ou simples amantes ou meros curiosos) da literatura apontam como principal indicador qualitativo o primeiro parágrafo de um livro e este nos introduz ao universo do livro de forma quase bíblica, mas a sequência das frases já nos dá a clara impressão de que a tia do escritor tem lá uma certa razão de suas dúvidas e nos arremessa no miolo de uma obra que um leitor desses, de começo de século XXI, acostumado a Harry Potters, códigos disso e daquilo, segredos e fases da lua, poderia até virar o livro ao contrário tentando encontrar seu começo.

É uma obra desafiadora ao leitor, e o leitor não pode ter medo dela.

A imagem que tive de mim mesmo muitas vezes ao ler o romance(?) foi de estar no olho de um largo furacão, vendo tudo girar freneticamente ao redor e asfixiado pelo vácuo, mas de pé.
Algumas coisas mais leves se perdem e caem, mas a mesma leveza faz com que sejam inversamente sugadas de volta ao redemoinho, a essa simultaneidade caótica que só a tontura e a letargia causadas pela falta de oxigênio permitem que a percepção fique mais lenta de modo que se possa identificar cada elemento _inteiro ou despedaçado_ que gira não suspenso, mas preso no ar pela força desse vento.

O uso ininterrupto de uma verborrágica adjetivação descritiva, como se cada coisa no mundo _mais que existir_ devesse ser explicada. Cada coisa ou cada idéia de coisa?

Sim, todos os personagens expõem suas idéias. Não só expõem como as regurgitam, cismam, analisam, filosofam enfim. E dialogam com um sem-número de referências pessoais, intelectuais, musicais, canônicas e com o leitor. É bom que este esteja preparado, pois mesmo o sendo, ele pode facilmente se perder.
Nenhum deles é simpático. Nenhum deles é medonho. Não causam amor ou paixão ou pena (salvo Vicente, em determinado momento). O que motiva a acompanhar essa(s) história(s) de cada um deles?
Acho que a forma crua com que são retratados e a sensação de que eles, tão nada, tão desalojados dentro de si mesmos e perante os outros, nos dão um lugar para estar e _menos que amor, paixão, pena, simpatia ou asco_ sentimos aquela mesquinha vontade de acompanhá-los e saber até onde eles vão como em um reality show ou uma rede social de voyeurismo como Orkut, Twitter, facebook ou seja lá o que o valha.

Várias perguntas me vêm enquanto me desdobro entre a multidão de vidas que passa por minhas mãos entre as folhas...

Seria uma obra esquizofrênica ou é um autor desesperado/entusiasmado com uma necessidade plurissensorial externada/expressada por rodapés digressivos?

Ainda não sei. Um único romance é pouco para comparar o autor a ele mesmo. É um livro de estréia, um teste para autor e leitor, de mão dupla. Eu testei o livro e ele me testou, me usou como cobaia de um experimento que percebo não ter resultado por ainda estar em suas observações e anotações iniciais.

Como disse antes de "desafio", retomo a isso. Deu-se o embate, ambos sobrevivemos, mas ainda não terminou.

Que venha o segundo round, Herr Heringer!

QUASE

Tenho enfim nas mãos o livro que tanto ansiei ter e ler.

Começo a ler e me surge um desafio inesperado: Analisar uma obra que reconheço. Que me foi dita. Que eu espreitei pelas janelas da criação.

Tento não pensar na minúscula varanda que ilustra a capa, que já fumou inúmeros cigarros, inclusive meus.
Tento não ouvir sua voz dizendo aquelas sequências de palavras no seu sotaque de branco fluminense serrano repleto de um léxico quase abandonado, mas alimentado quase propositalmente por diálogos com os falares mezzo parnasiano mezzo barroco protestante prostituto interiorano do ex-bancário filho do pastor e o suburbanismo empedernido do negro filho do militar advogado mais velho que, na oralildade, soavam quase sem sentido mesmo naquele contexto que beiravam o surreal daquela pequena sala em Icaraí.

Sei muito bem que seus diálogos não se resumiam a estes e nem neste espaço, mas só posso ter como certeza de referências o que presenciei e participei.

Não rememorar trajetos observatórios pela orla niteroiense e os nomes de personagens que surgiam entre uma ou outra tragada.

Me dou conta de que preciso reaprender e ler para lê-lo. Não. É um processo ainda diferente. Preciso aprender a me cegar para lê-lo.

Espero conseguir.

domingo, 27 de setembro de 2009

Feedback

Se cada vez que eu pensasse em você, você retribuísse com um décimo do carinho que sinto, eu poderia me considerar alguém muito amado.

A verdade é que já não sei mais se acredito tanto nessa história de que basta amar. Acreditei nisso por tanto tempo que pensei até ser feliz assim. Feliz e completo. Sou (era) um homem que ama(va). Isso me fazia pensar que talvez eu fosse a única pessoa sobre a Terra conhecedora do segredo franciscano que faz alguém se sentir pleno ao consolar, compreender, amar, dar, perdoar sem esperar reciprocidade (os mais moderninhos devem chamar a isso de “feedback”).

Mas hoje venho percebendo que também é bom ser amado. Talvez seja não mais que alguma inveja dos que têm isso para si, mas a impressão que me dá é a de que ainda falta algo, algum degrau que impede de chegar ao topo, como se até agora eu estivesse sendo premiado em alguma categoria especial para handicapés.

É muito ruim se sentir tão pouco.

“Don't you want somebody to love?
Don't you need somebody to love?
Wouldn't you love somebody to love?
You better find somebody to looooove!”


Começo a pensar que isso pode ser realmente uma idéia a se pensar, cara do avião...

sábado, 26 de setembro de 2009

PSEUDICES (ou "Citações vãs")

Sardas e pintinhas podem se tornar um problema sério... mas não para quem as possuem. Afinal, estes já conhecem de cór todos os tipos de cuidados que devem ter com suas peles, proteções, etc. O problema é para quem as olha. E piora se, além de olhar, você as admirar.

Compor um texto que fale sobre esses pequenos e múltiplos detalhes estéticos sem cair em nenhum clichê ou idéia já anteriormente usada é uma tarefa ingrata, ainda mais se já ocorreu até mesmo uma admissão do autor em já ter usado/gasto certos recursos em elaborações anteriores...

Listemos isso:

1. Comparar com aqueles joguinhos de ligar os pontos: USADO
2. Comparar com estrelas e simular "constelações": USADO
3. Fingir contar (sim, pois esse tipo de coisa só se finge mesmo) cada uma delas: USADO

Poderia também me valer do clichê máximo que é a denominação francesa ("grains de beauté") e falar de como esses grãos deixam ainda mais bela a visão. Mas também teria que colocar nisso o carimbo de USADO. É quando sinto raiva dos compositores.

Assim sendo, me debruçarei sobre essas velhas idéias em citações. É o que me resta.

Começo pela última idéia citada. Os tais "grains de beauté/que vão ajudar você/a encontrar/o caminho de casa" (CÉU, 2009). É, eu poderia até usar isso, uma vez que estou longe da minha, mas a questão é que não concordo muito com essa idéia como ela foi colocada nesse caso, visto que João e Maria usaram desse recurso para marcar o caminho e os passarinhos comeram e sabemos todos o resultado disso (passaram um bom tempo aprisionados por uma bruxa).

Se fosse para falar de guias para casa, ainda preferiria a imagem das estrelas/constelações, que estão sempre lá no firmamento e sempre guiaram de modo certo os navegadores, mesmo os perdidos. Um ponto sem falas para observação.

O fato de eu estar longe também me impediria de usar as outras figuras como contar ou ligar os pontos, pois isso só pode ser feito presencialmente. Não cabem na idéia do texto.

Mas a distância pode me ajudar (e até me resguardar) no uso de uma imagem que não me recordo de a ter utilizado antes. As artes plásticas!

Alguém me perguntará, coberto de razão: "Mas desde quando comparar a beleza de uma mulher a uma pintura é novidade?".
Realmente, novidade nenhuma, mas posso me dar o direito de arriscar fazer diferente, certo?

Pois bem... Vamos então ao cerne a partir desse mote.

Eis que me encontro distante da terra que resolvi adotar como casa. Ainda tenho poucas referências dela, mas uma imagem em especial me leva à consciência de que meu lugar agora é lá. É um quadro. Um belo quadro impressionista, desses cuja técnica empregada _o pontilhismo_ nos leva a só perceber a grandeza do todo quando observamos a uma certa distância. As nuances do todo resultam de uma certa não-intenção de uma imagem total ao se perceber todos aqueles pontinhos de pequenas variações tonais tão juntinhos...

Os impressionistas eram muito corretos nessa intenção de deixar que os olhos do público interpretassem as intenções dessas cores sem linhas, tão incertas... pena que às vezes o espectador seja míope e que quando se aproxima mais para perceber, só consiga ver os pontinhos.

Mas sim. É isso que ela me é. Um quadro que impressiona o meu olhar, cuja beleza se faz ainda mais com pequenos pontinhos, mas que eu só posso admirar assim em estando longe. Em estando perto, os temas se tornam outros. Talvez seja melhor assim. Em estando perto, são um monte de pontinhos confusos!

sábado, 15 de agosto de 2009

Da queda

Da menina que deixaram cair em uma tola brincadeira de crianças.
Hoje cai sozinha.
E machuca joelhos, tornozelos.

Da menina que deixaram cair em uma tola brincadeira de crianças.
Hoje não confia mais em ninguém.
Hoje ninguém vai mais deixá-la cair.
Hoje ela se atira por si só.

Não... ninguém mais a deixa cair.
Não... ela se levanta sozinha.
Não... ela não chorará na frente de ninguém.

Ela mesma limpará as feridas e fará os esforços que forem pra não mancar.

Os joelhos doerão e sangrarão.
As pernas terão marcas roxas.

Só que ela não para de se atirar.
Nem de cair.

Às vezes parece que ela escolhe justamente 
Onde não há rede de segurança.

Um salto.
Um mergulho.
Uma acrobacia no ar.
O chão. 
Duro.

E a torcida para que ela consiga de novo se levantar sozinha.

E a esperança.

(para Jessika Thaís)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

OS VERSOS E AS LINHAS

O escritor Mário Prata em uma de suas crônicas fala do poeta e sua “preguiça”¹ . Não sei se saberia (ou mesmo se poderia) refutá-lo de modo classista, corporativo, irmanando a minha voz a dos outros poetas. Terei que fazer como sempre: Responder só para mim.
A verdade é que até concordo com o cronista sob determinada ótica, mas nem sempre isto se dá assim. Apesar de achar simplesmente ridículo a um autor tentar explicar a sua obra, tentarei fazê-lo de modo neutro.
Eu tento não ser preguiçoso. 
Aliás, o que me importa é o ritmo.
Boa parte do que escrevo em verso não obedece ao modo clássico de versamento em sílabas (até admiro quem o faça), mas um encadeamento frasal rítmico.
Não que eu queira me comparar a Baudelaire... Ah, quero sim! ...mas mesmo quando escrevo em prosa, faço pensando mais em ritmo que em foco temático para compor os parágrafos. A literatura e seus recursos me permitem certas liberdades e eu as uso. 
Mas tampouco é sobre isso que quero falar. Não sobre EXATAMENTE isso, embora permeie a idéia principal.
Ocorreu que ao pensar em responder eu estava na rua e só tinha nas mãos um bloquinho pautado de dez centímetros de largura.
Ao chegar em casa, recorri a um desses cadernos escolares pequenos. 14 centímetros de largura. Pouco.
Não satisfeito, resolvi utilizar um caderno tipo universitário. Um modelo que já estou mais acostumado, tal e coisa. Pauta de vinte e três centímetros de largura. Bem mais satisfatório.
Essa conversa tomará um rumo quase pornográfico homoerótico se eu continuar nessa linha.
Mas acontece também que imaginei um caderno pautado na largura de um jornal, cerca de trinta e dois centímetros.
Ou escrever em paredes ou muros... Metros de linha corrida....
Será que, com todo esse espaço, os parágrafos poderiam se transformar em versos?
Será que o critério é mesmo alcançar o fim da pauta?
Ou seriam os prosistas meramente péssimos em sínteses de assuntos?
Ou seria tudo simples questão de escolha de disposição e estilo?
Ou seria o Mário Prata um tipo de recalcado por não saber versar e acaba culpando os que o fazem?
Ou seriam os cronistas preguiçosos por não fazerem contos? E os contistas por não fazerem romances? E os romancistas por não comporem epopéias?
Mas aí já sairíamos do espaço lateral para o número de páginas... E acabaríamos tendo que pensar em assuntos tão chatos quanto a invenção da escrita, os papiros, Jack Kerouac, as ferramentas de texto de internet e os mecanismos psicológicos de produção textual.
Tudo pode ser e tudo é.
E assim continuamos o senhor Mário Prata continua a escrever brilhantemente suas crônicas, romances e dramas e nenhum poema; os poetas a escreverem seus poemas e nenhuma obra dramática; os compositores a fazer letras de música achando que são poemas; eu a tentar mimetizar o estilo de outros que admiro e com inveja de dramaturgos e romancistas que conseguem compor personagens. 
Mas concordo. Escrever bulas é uma arte que deve ser respeitada.

Alan Robert
13-14/08/2009


¹  Mário Prata, em sua crônica intitulada “Quem escreve as bulas?” afirma em certo momento que “o poeta é um talentoso preguiçoso. Nunca chega ao final da linha.” (PRATA, 1997 in http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/quem_escreve_as_bulas.htm)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Futuro II




(ilustrações para o poema "Futuro")

domingo, 28 de junho de 2009

Futuro

Alan Robert

Meu amor,

daqui eu não vejo o Corcovado nem o Pão de Açúcar.
Não vejo as barcas nem vejo a Ponte.
Não vejo aquelas pedras que surgem do meio da água nem as ilhotas que povoam a baía.
Não vejo aqueles morros que circundam as águas nem as luzes à noite.

Só há céu e mar.
Um mar longo e um céu baixo.
E lá onde o céu se curva para alcançar o mar eu só vejo a distância.
Um mar verde como seus olhos quando fitam o mar.
Um céu azul como seus olhos quando refletem o céu.

Daqui, tendo apenas o céu e o mar, eu só vejo os seus olhos quando fecho os meus.

28.06.2009

sábado, 20 de junho de 2009

Degraus

Quero?
Não.
[ponto]

Quero?
Sim
Me é permitido?
Não.
[ponto]

Quero?
Sim.
Me é permitido?
Sim.
Tenho condições para?
Não.
[ponto]

Quero? 
Sim.
Me é permitido?
Sim.
Tenho condições para?
Sim.
É a coisa certa a ser feita?
Não.
[ponto]

Quero? 
Sim.
Me é permitido?
Sim.
Tenho condições para?
Sim.
É a coisa certa a ser feita?
Sim.

[ponto final]


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

In nomine Domini


Foto por Bianca "Bibs" Ferreira

Merci, Bibs.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Inventário

  • Minha recuperada vontade de sentir algo
  • Minha reinventada disposição de confiar
  • Minha re-ativa revolta
  • Meus reincidentes pensamentos perdidos
  • Minha renovada opinião de sempre
  • Minha re-formada vontade de experimentar
  • Meu renitente pragmatismo
  • Meu reestruturado ceticismo
  • Minha falta de pudor em me arriscar a me mostrar sem medo
  • Minha insistência
  • Alguém me dizendo “gosto de você”
  • Teu sorriso.


Na verdade, não os deixo.
Apenas te devolvo tudo o que nunca em verdade me pertencera.
Ao não portar mais isso que não é meu, garanto voltar a possuir de pleno gozo das faculdades mentais.

Alan Robert
24-01-2009

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ócio Vingativo


Madrugada de quarta para quinta-feira, 0h30. Saio de casa apenas para não permanecer lá. No caminho decido o trajeto. Irei ver o mar, talvez o amanhecer. Ainda não sei bem. Só sei que não posso ficar parado em meio às minhas coisas de todo dia e do dia todo. Maldita tevê que resolveu dar pane justo n'um dia como hoje.
Mas a culpa disso é só minha, devido ao estilo e diretrizes de vida que escolhi acreditando serem os melhores e mais coerentes. Só não posso mentir: É triste sim.
Quisera eu tais escolhas não fossem tão pesarosas, que eu tivesse optado por mais leveza e menos preocupações, mas isso não seria nada condizente com o que realmente penso e agir de má-fé para com meu íntimo poderia resultar em maior sofrimento que mera solidão. Menos que escolher viver na tristeza, prefiro acreditar que não vivo na mentira.
Mentir.... mentir é tão fácil e eu sabia fazer tão bem... Mas quando escolhi eu mesmo não mais mentir, desaprendi a reconhecer a mentira alheia. Apenas sei que ela existe, mas isso não é suficiente.
Se quero um mundo de sinceridades perfeitas, de jogos sem trapaças ou blefes? Claro! Quem não gostaria disso? Utopia? Óbvio!... Só que desprendi também a balancear meu desejo com a realidade.
Não que eu seja um alienado ou sonhador, apenas finquei meus pés em um terreno que só pertence a mim e tornei-me absolutamente desarticulado no lidar com o que me cerca.
Uma série de decisões que me afasta grave e gradativamente mesmo do que tenho afeto.
Não, não é um lamento, tampouco um pedido de desculpas. É, no máximo, o desabafo de alguém um tanto triste, definitivamente sozinho, mas que _por mais paradoxal que possa parecer_ ainda acha melhor ser assim.

Alan Robert
08.01.2009

Crédito da foto: Teca Mota em http://www.flickr.com/photos/teca1000/1790010550/

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

PREVIDÊNCIA

“ler se lê nos dedos
não nos olhos
que os olhos são mais dados
a segredos”
(Paulo Leminski)


Fase terrível na vida do ser humano hodierno essa tal adolescência. E pensar que, diferentemente da infância e da idade adulta, esta foi inventada pelo próprio homem com a única intenção de batizar um momento de dúvidas e decisões.
Fase linda essa na vida de um ser humano, de (se) descobrir, (se) experimentar... Essa juventude plena, pós-infância, pré-maturidade; quando o novo se mescla ao abandono, a curiosidade se junta à certeza, quando o risco se expõe rente aos ensinamentos adquiridos. Pena a nossa sociedade ter abandonado os tão úteis ritos de passagem...
Talvez por isso hoje ocorram tamanhas distorções a ponto de haver quase que somente jovens precoce e falsamente “amadurecidos” e adultos insistentes em não abandonar o que já não mais lhes pertence. Chamem de “síndrome de Peter Pan”, “adultescência” ou como quer que os especialistas batizem em seus estudos ou publicações... A grande surpresa em mim se dá quando encontro o que deveria ser não mais que o normal.
É quando me surge essa menina e, como um sem-número de moçoilas que lhe são contemporâneas, ela “é bem madura para a sua idade”. Normal. Só não vejo por que comprar tal idéia... Mas sua característica principal está em seu rosto. Bonito, sim, como todo rosto jovem e saudável, mas _sobretudo_ expressivo. Ainda não sei se proposital ou involuntário, mas ela expõe com total transparência alegria, satisfação, curiosidade, assombro ou repúdio. E esse rosto tão revelador só faz ressaltar o que há de mais forte: o olhar. Nela, chega a ser “covardia” falar disto, pois são dois grandes observadores castanhos que denotam tudo o que a moldura de seu rosto exprime (característica admirável não importa a idade que se tenha, mas nela é diferente).
Essa “maturidade” que hoje é tão cobrada e louvada nos jovens nos deu uma população de garotos de olhos precocemente embotados, tendo perdido coisa que mesmo os adultos que tardiamente ainda buscam “esticar” ad infinitum sua puerícia não conseguem recuperar: o brilho no olhar que ainda guarda alguma inocência.
E os olhos dela brilham de alegria, de satisfação, de assombro e de repúdio. E isso não há de ser proposital.
Nesse brilho quase há como se prever o futuro. Exagero? Certamente! Mas não me escusarei por meu entusiasmo. Eu já tenho também os meus olhos opacos de _se não desesperança_ um certo desânimo ávido por novidades que sei que virão em cada vez menor quantidade... O futuro que se vê em seus olhos é o dela. O olhar afiado quando calada mostra bem que ela está ali para (se) descobrir e (se) experimentar e mesclar o novo ao abandono, juntar a curiosidade à certeza, se expor ao risco tendo toda a bagagem adquirida sem o medo de se trair, pois ela observa antes o solo onde pisa.
Não nego haver também em mim uma certa vontade de acompanhá-la em seus passos e “vampirizá-la” e revivenciar através desse olhar o brilho já perdido no meu. Mas esse não é meu papel nem meu estilo.
Meu papel talvez seja apenas louvar que ainda haja pelo menos uma jovem como ela, com juventude no semblante e avidez no olhar... ou ainda meu papel nem seja esse. Afinal, por que louvar o que deveria ser a normalidade?
Peço então a liberdade de alterar minha afirmação e retificá-la: Meu papel é o de saber reconhecer nela o que ainda deveria ser para que meus olhos e rosto ainda consigam expressar meu assombro e repúdio a toda distorção instalada.

Alan Robert
02-07/01/2009