sábado, 15 de agosto de 2009

Da queda

Da menina que deixaram cair em uma tola brincadeira de crianças.
Hoje cai sozinha.
E machuca joelhos, tornozelos.

Da menina que deixaram cair em uma tola brincadeira de crianças.
Hoje não confia mais em ninguém.
Hoje ninguém vai mais deixá-la cair.
Hoje ela se atira por si só.

Não... ninguém mais a deixa cair.
Não... ela se levanta sozinha.
Não... ela não chorará na frente de ninguém.

Ela mesma limpará as feridas e fará os esforços que forem pra não mancar.

Os joelhos doerão e sangrarão.
As pernas terão marcas roxas.

Só que ela não para de se atirar.
Nem de cair.

Às vezes parece que ela escolhe justamente 
Onde não há rede de segurança.

Um salto.
Um mergulho.
Uma acrobacia no ar.
O chão. 
Duro.

E a torcida para que ela consiga de novo se levantar sozinha.

E a esperança.

(para Jessika Thaís)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

OS VERSOS E AS LINHAS

O escritor Mário Prata em uma de suas crônicas fala do poeta e sua “preguiça”¹ . Não sei se saberia (ou mesmo se poderia) refutá-lo de modo classista, corporativo, irmanando a minha voz a dos outros poetas. Terei que fazer como sempre: Responder só para mim.
A verdade é que até concordo com o cronista sob determinada ótica, mas nem sempre isto se dá assim. Apesar de achar simplesmente ridículo a um autor tentar explicar a sua obra, tentarei fazê-lo de modo neutro.
Eu tento não ser preguiçoso. 
Aliás, o que me importa é o ritmo.
Boa parte do que escrevo em verso não obedece ao modo clássico de versamento em sílabas (até admiro quem o faça), mas um encadeamento frasal rítmico.
Não que eu queira me comparar a Baudelaire... Ah, quero sim! ...mas mesmo quando escrevo em prosa, faço pensando mais em ritmo que em foco temático para compor os parágrafos. A literatura e seus recursos me permitem certas liberdades e eu as uso. 
Mas tampouco é sobre isso que quero falar. Não sobre EXATAMENTE isso, embora permeie a idéia principal.
Ocorreu que ao pensar em responder eu estava na rua e só tinha nas mãos um bloquinho pautado de dez centímetros de largura.
Ao chegar em casa, recorri a um desses cadernos escolares pequenos. 14 centímetros de largura. Pouco.
Não satisfeito, resolvi utilizar um caderno tipo universitário. Um modelo que já estou mais acostumado, tal e coisa. Pauta de vinte e três centímetros de largura. Bem mais satisfatório.
Essa conversa tomará um rumo quase pornográfico homoerótico se eu continuar nessa linha.
Mas acontece também que imaginei um caderno pautado na largura de um jornal, cerca de trinta e dois centímetros.
Ou escrever em paredes ou muros... Metros de linha corrida....
Será que, com todo esse espaço, os parágrafos poderiam se transformar em versos?
Será que o critério é mesmo alcançar o fim da pauta?
Ou seriam os prosistas meramente péssimos em sínteses de assuntos?
Ou seria tudo simples questão de escolha de disposição e estilo?
Ou seria o Mário Prata um tipo de recalcado por não saber versar e acaba culpando os que o fazem?
Ou seriam os cronistas preguiçosos por não fazerem contos? E os contistas por não fazerem romances? E os romancistas por não comporem epopéias?
Mas aí já sairíamos do espaço lateral para o número de páginas... E acabaríamos tendo que pensar em assuntos tão chatos quanto a invenção da escrita, os papiros, Jack Kerouac, as ferramentas de texto de internet e os mecanismos psicológicos de produção textual.
Tudo pode ser e tudo é.
E assim continuamos o senhor Mário Prata continua a escrever brilhantemente suas crônicas, romances e dramas e nenhum poema; os poetas a escreverem seus poemas e nenhuma obra dramática; os compositores a fazer letras de música achando que são poemas; eu a tentar mimetizar o estilo de outros que admiro e com inveja de dramaturgos e romancistas que conseguem compor personagens. 
Mas concordo. Escrever bulas é uma arte que deve ser respeitada.

Alan Robert
13-14/08/2009


¹  Mário Prata, em sua crônica intitulada “Quem escreve as bulas?” afirma em certo momento que “o poeta é um talentoso preguiçoso. Nunca chega ao final da linha.” (PRATA, 1997 in http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/quem_escreve_as_bulas.htm)