sábado, 23 de maio de 2015

DESENHO N° 1

A princípio, eu também não via. Nem teria como. Mas a indagação era sempre a mesma e a resposta elucidadora era frustrada a quem havia errado e frustrante a quem perguntava, por não conseguir exprimir sua ideia. Não se podia atribuir culpa a nenhum dos lados; duas visões destoantes do mundo e da realidade que precisavam ser mediadas. Mesmo eu compreendendo as razões de ambos, eu não conseguia ver o que nenhum concluía ou demonstrava. Eu não via. Nem teria como.

Eu entendia as vozes encorpadas que respondiam e a insistente que perguntava e depois explicava. Apesar do que se queria que se visse, não era um chapéu; apesar do que se percebia, era uma jiboia. Mas eu não via. Nem teria como.

Foi quando a ação do tempo, lenta como lhe convinha e a situação, crescentemente claustrofóbica e sufocante como deveria ser me deram a clareza da compreensão. Eu não via. Nem teria como.

Eu era o elefante.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O Elevador





"Ora, quem é que não sabe
O que é se sentir sozinho,
Mais sozinho que um elevador vazio?"
(“Blues do Elevador” - Zeca Baleiro)


Já percebia que havia algo estranho... não... não estranho... “diferente” quando pegava aquele elevador, mas não sabia identificar o que seria aquilo, era apenas uma sensação.

Em um primeiro momento, pensava ser só o fato de ser um prédio diferente, talvez a localização tão litorânea causasse algum efeito atmosférico, talvez fosse apenas questão da falta de costume com o prédio... mas não. A sensação permanecia. Algo estava acontecendo.

Com o passar do tempo, prestando mais atenção aos detalhes, percebera que o relógio do elevador nunca estava certo. Algumas vezes a diferença era de alguns minutos, outras vezes era até de horas, chegando a ser um horário de um outro período do dia. Os elementos se somavam, mas ainda não faziam sentido.

Um dia, ao entrar no elevador com o fone no ouvido, escutando um desses rocks setentistas cheios de firulas instrumentais e logo após ter lido uma notícia sobre a série televisiva inglesa Dr. Who, a ideia surge em tom de piada na mente e causa riso. Aquele elevador era uma máquina do tempo. Hahahaha!

Mas... e se houvesse alguma possibilidade de algo tão esdrúxulo ser real? Pensar assim fez com que isso fosse tomando forma na cabeça, não de uma forma preocupante, mas até lúdica. Explicações tão dignas dos piores filmes “B” quantos dos maiores clássicos da ficção científica.

O que não dava para imaginar era que essa ideia quase boba, quase saída de alguma história em quadrinhos era a mais simples verdade. O elevador era uma máquina do tempo, mas só agia sob determinadas condições e tinha algumas peculiaridades.

A viagem no tempo se dava da seguinte forma: Quando as portas do elevador se fechavam, o seu interior e o seu exterior passavam a ser tempos diferentes. Enquanto suas portas estivessem fechadas, seu ambiente interno era levado para um outro período, aleatoriamente. Poderia ser o passado ou o futuro, alguns segundos ou séculos para frente ou para trás. Sempre que parava em algum andar para entrada ou saída de pessoas, ao se abrirem as portas a sincronização com o tempo exterior se restabelecia. O tempo não se distorcia, apenas se transferia para outra época.

Não sabia se mais alguém que pegasse aquele elevador fazia alguma ideia de que isso acontecia ou mesmo se partilhava da mesma sensação. Falar sobre isso seria loucura. Mesmo sem falar, já seria loucura. De todo modo, era melhor pegar o elevador sem mais ninguém.

Mas como aproveitar estar no ano de 1208 ou em 3425 se não havia como sair daquele cubículo cromado de 110 x 90 cm? A única coisa que se podia fazer era respirar e pensar... e torcer para que a viagem não fosse interrompida em nenhum andar em que a porta se abrisse.

Essa subida para o seu apartamento sempre foi um momento muito bem vindo de irrealidade em todo o tempo-espaço.

“Entro no elevador,
Aperto o 12, que é o seu andar,
Não vejo a hora de te reencontrar
(“All Star” - Nando Reis)