domingo, 17 de dezembro de 2017

PRECISAMOS FALAR SOBRE PABLLO VITTAR (de novo)

Eu jurava que era algo já explicado, mas, antes, vamos colocar uns critérios para não virar uma discussão sobre o sexo dos anjos*.

[*trocadilhos inclusos, voluntários ou não] 

1. O que um homem hétero sabe sobre as questões LGBT, se ele não pertence a esse grupo? R.: Ele passa a saber sobre isso do mesmo modo que um professor de Geografia sabe sobre as monções indianas, mesmo sem nunca ter estado lá, aliás, tudo, menos dizer que o cheiro da chuva é agradável, pois isto seria uma subjetividade e, se disser isso, salientar ser uma impressão geral e consensual de relatos de quem vive a situação: Estudando MUITO sobre o assunto e se atendo ao que é objetivo, respeitando as subjetividades de quem vive tais impressões.

2. Caso haja insistência no falacioso argumento do "lugar de fala", eu vou ter que apelar, logo de início, para o meu como, no mínimo, alguém que vem trabalhando no setor artístico, mais especificamente com música nos últimos vinte e cinco anos e com uma visão não apenas artística do assunto, mas sócio-política.

3. Como eu já falara sobre o tema, deixarei o texto referente linkado no primeiro comentário. Tratarei justamente do que evitei no anterior.

Pabllo Vittar virou o foco dos holofotes das redes de distribuição de ódio... OPS! Errei! leia-se "das redes sociais" novamente ao ter a música que interpreta escolhida como "música do ano" no programa do Fausto Silva.

Mas quem diabos dá importância a um prêmio distribuído pelo Faustão?! Bem, essa resposta existe, mas vamos guardá-la para uma próxima oportunidade e focar no que importa: Os renovados ataques a Pabllo Vittar, com suas requentadas justificativas e suas igualmente pífias defesas, e do que tratarei hoje são os ARGUMENTOS.

Como já citado, os aspectos de critérios estritamente musicais já foram explicados, então, primeiramente™, foquemos no argumento mais visto, que não se debruça nisso.

"Fred Mercury, Cazuza, Ney Matogrosso também eram/são gays e ninguém nunca ligou pra isso e são ícones até hoje".

Sim, são ícones e musicalmente muito respeitados, mas adivinhem qual é o ponto sempre que alguém resolve criticá-los? Exatamente, a sua sexualidade.

Porém, há um dado importante aí: nenhum deles, tirando uma certa fase da carreira de Ney Matogrosso, era "queer" e o próprio Ney descarta essa definição. Eram homens gays, e isso faz com que essa comparação caia nos chamados "falso paralelismo" e "falsa dicotomia". São duas falácias argumentativas (viram, gente? existem falácias além do espantalho e do ad hominem!) que fazem com que dois elementos que não possuem os mesmos critérios sejam avaliados sob um mesmo prisma.

Assim, para sermos realmente justos, temos que (1) estabelecer critérios e (2) avaliar cada critério estabelecido separadamente.

O ponto principal, no que se refere à homo/transfobia, é que Pabllo Vittar só teria comparação com outras figuras midiáticas que também adentrassem no espectro da transexualidade. É aqui que eu invoco a carta ROBERTA CLOSE BRONZEADA. 

As novas gerações, especialmente os nascidos nos anos 1990 e após, possuem, no máximo, uma relação de "ouvi falar dela" com a, até o aparecimento de Vittar, mais famosa transexual do Brasil. Muitos jovens sequem ouviram seu nome.

Pois bem, é consenso que todo "homem cis hétero" ficou, por assim dizer, confuso quando essa figura chegou aos holofotes. "Era mesmo um 'homem'? Não é possível!" e indagações e interjeições de surpresa sempre fizeram parte da reação popular diante dela. Não esqueçamos que estamos falando dos anos 1980 e as nomenclaturas eram outras, muitos dos termos hoje usados sequer existiam. Um expoente disso foi a chamada de capa da revista Playboy, quando ela posou para suas páginas, sendo a primeira vez no mundo que uma mulher trans foi fotografada para a revista: "Incrível. As fotos revelam porque Roberta Close confunde tanta gente". E, mesmo assim, Roberta Close, que também sempre teve uma atuação muito forte, nunca se esquivando de perguntas sobre o que era essa "novidade" (o transexualismo), como isso funcionava em uma pessoa, como eram questões pessoais e familiares, sofreu muito preconceito a ponto de decidir simplesmente sair do país porque aqui não dava mais e, há muitos anos, não responde mais a perguntas que já não mais eram curiosidades, mas tornaram-se extremamente invasivas.

Só que, ainda assim, Roberta conseguiu construir uma bastante sólida carreira de modelo (para os padrões da época... ela nunca desfilou para a Victoria Secret's, como nenhuma outra brasileira então). 

O meu ponto é: Roberta Close era uma modelo de sucesso, uma quase unanimidade como ícone de beleza feminina, mas ela também se arriscou como atriz e cantora. Ela foi péssima nessas duas coisas. Seu talento para fotografar e desfilar era incontestável, mas uma verdadeira tragédia em atuação ou canto. Ela sabe disso. Ela reconheceu isso. Ela não investiu mais nisso. Ela sempre será lembrada como a incrível modelo que transpassou as fronteiras da identidade sexual, mas nunca será lembrada como péssima atriz ou cantora. Isto simplesmente é uma nota de pé de página em sua biografia.

Já o talento de Vittar em sua área de atuação é tremendamente discutível.

Falemos então do metier de Pabllo: a música, e eu só posso compará-la a uma outra figura  que ainda é, para mim, insuperável no setor "queer" brasileiro. Vamos falar um pouco de Rogéria.

A maquiadora que tinha um talento que ia muito além dos pincéis, rímeis, blushs e batons. Uma voz potente, um repertório impecável, uma presença marcante. Rogéria, a travesti que desancava e desmascarava a "macheza" de Jesses Valadões e companhia em suas entrevistas. Um símbolo de resistência que pegou o pão que o tinhoso amassou, transformou em iguaria gourmet e comeu. Passou por muitas e péssimas o Astolfo Pinto, que era, na verdade, ele sim, o alter ego de Rogéria, que, antes de Madonna, nunca precisou de sobrenome. Rogéria se bastava. 

Qualquer músico de barzinho reconhece: Rogéria era uma artista TREMENDA. Já Pabllo Vittar...

Porém, mesmo assim, Roberta Close e Rogéria sempre sofreram uma carga enorme de preconceito por conta de serem o que eram sexualmente. Ainda que as críticas em relação ao seus trabalhos fossem sempre e merecidamente muito positivas, em algum momento acontecia a adversativa com o preconceito disfarçado de jocosidade: "mas é um viadão".

E Pabllo? Pabllo é a cara da nova geração de um grupo de excluídos que se perdeu no tocante a como se posicionar. É a face visível de uma geração marcada por polarizações extremas, radicalismos, ataques e defesas cegos. Quem não é completamente a favor do que eu digo se torna, automaticamente, meu inimigo mortal. Quem se enquadra minimamente no que eu penso não pode ser criticado sob nenhum aspecto. Isto se dá em qualquer lado. 

O que acontece se alguém demonstrar que a figura midiática de Pabllo Vittar é tão somente uma capitalização de um determinado nicho de um mercado que já sofre imposições desde sempre? A figura e as canções de Pabllo, tal como Anitta, Safadão, Kevinho, Valeska, Psirico e tantos outros vendidos como "populares", não são nada além do que o mercado sempre fez, desde Gretchen, Ritta Cadillac, É o Tchan e outros tantos sempre fizeram: vender uma imagem hipersexualizada e objetificada da mulher. A afirmação de uma sexualidade com liberdade é importante? Sim, muito. Mas por que será que, quando a mídia celebra figuras femininas, é exclusivamente para vender corpo e sexo? Por que será que mesmo a figura de Pabllo Vittar, que talvez tenha coisas muito importantes a dizer sobre a sua condição, só aparece midiaticamente como um corpo sensual que vai rebolar e, aparentemente, nada mais que isso? Porque os donos do mercado são mais espertos que eu e vocês. Porque eles sabem até mesmo fazer com que vocês acreditem que o que eles produzem, selecionam e distribuem é "popular". Porque eles são víboras que sabem camuflar sua pele.

"Ah, mas tem uma música de Pabblo Vittar que fala da luta LGBT!" Sim. Uma. Que praticamente ninguém fora do núcleo LGBT conhece. Que muita gente do próprio núcleo desconhece. E não foi esta música a vencedora de "música do ano" interpretada pela voz de Pabllo Vittar. Por quê?

Então sim, muita gente, mas muita gente mesmo vai usar a sexualidade de Pabllo Vittar como um ingrediente a mais para criticar o seu trabalho musical, ainda que sejam duas coisas completamente desconexas. É assim que preconceituosos agem, aproveitam qualquer brecha minimamente válida para derramar seu ódio contra os aspectos que reforçam o preconceito. Mas será mesmo que a defesa da pessoa Pabllo Vittar  deve "passar o pano" sobre todos os poréns que a sua carreira artística possui? 

Muito particularmente, eu acho que Pabllo Vitar poderia ter uma atuação muito positiva e com muita visibilidade em várias áreas. É uma figura carismática, alegre, expansiva, e eu duvido muito que não se saísse muito melhor que a insossa Fernanda Lima se comandasse um programa de televisão. Mas a mídia permitiria que Pabllo tomasse o lugar de uma Fernanda bonita, loira, magra, rica, casada, mãe, e lhe daria a possibilidade de ser maior que ela? Talvez uma Xuxa só para adultos? Hoje, isso não aconteceria. 

Por falar em Xuxa, ela é uma péssima cantora, mas ninguém liga, sabem por quê? Porque ela não é cantora.

Será que permitiriam a mesma suspensão de crítica caso Pabllo Vittar apresentasse um programa e, vez ou outra, cantasse (mal, como de fato canta)?

Aí, só há como conjecturar...

Um comentário:

Alan Robert disse...

https://www.facebook.com/alanrobert001/posts/1488946351189670